sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Quando a educação mata

O mundo tem seu próprio sistema de justiça que vai além dos conceitos impostos pelo homem e se assimila muito à “justiça divina”, para quem acredita nela. Talvez seja influência dos movimentos de translação já descritos pela física do homem, ou intervenção do justiceiro todo poderoso que gosta de histórias com lição de moral. O fato é que o mundo gira e a maioria do que se faz, retorna a si mesmo. Seja bom ou ruim.

Por isso estou esperando a morte de um empresário da educação, do ensino superior. Será um atendimento falho na enfermaria do P.A, ou uma análise de laboratório errada que não diagnosticou uma doença a tempo. Também pode ser baleado por um criminoso reincidente que só não foi preso pela inoperância de um advogado. São muitas possibilidades. Tantas quantas as disciplinas oferecidas nessa academia. Aliás, retiro o termo “academia”. Nesse comércio de graduações.

Não há qualquer tipo de ódio ou mágoa desse sujeito. Só estou falando de algo que realmente acredito. Na justiça do mundo. Uma pessoa assim não pode jogar a cada final de semestre uma porção de profissionais mal formados no mercado e sair impune. Ele vive nessa cidade em que despeja a mão de obra que cobrou para formar. Em breve provará diretamente o estrago que uma formação superior capenga pode causar.

Sua instituição não se preocupa como vão sair os acadêmicos, mas sim como entram. Não que o processo seletivo seja rigoroso. Pelo contrário, já que em alguns cursos, há mais vagas do que inscritos. O critério de seleção é a condição de pagamento. Um contrato de prestação de serviço cheio de cláusulas questionáveis, pede um fiador que garanta o pagamento. Um talão de cheques também é necessário, já que é preciso entregar no ato da matrícula uma folha para cada mensalidade, pelo resto do ano. A opção de boleto bancário existe, mas é bem traumática. Com cheque tem desconto. Cheque é bom para faculdade. Tão bom que molda o método de ensino.

O semestre que tem 4 meses de aula tem 4 provas para cada disciplina. Uma para cada cheque compensado. Antes da avaliação, uma lista passa para ser assinada. Lá só estão os alunos “em dia”. Cheque que não compensou significa aluno inapto a fazer. Precisa passar na “secretaria”. É comum ouvir professores dizendo que, naquele mês, dar prova é injustificável e que o melhor método de avaliação seria outro. Mas é norma da faculdade.

Por mais absurdo que pareça, tem gente pagando para estudar em um lugar assim. E pagando caro, mesmo sem ter um corpo de professores a altura, laboratórios de qualidade e material de apoio suficiente. Pagam porque muitas vezes é a única opção para fazer o tão sonhado curso superior. Outros pagam porque jamais entrariam em outra faculdade que tivesse o mínimo de critério. Para estes, a faculdade é excelente, porque adota o famoso método pedagógico PPP: “Papai Pagou, Passou!”. E então, 4 ou 5 anos depois, está lá, formado, com o diploma na mão que o gabarita a atuar na função. Um profissional “qualificado” e que ninguém ouse questionar, tentando adivinhar na vida real o que não viu na sua faculdade do imaginário.

Essa é uma triste realidade de uma cidade que começa a se proclamar como “universitária”. Mas não se preocupe. O que você faz, cedo ou tarde, retorna para você. O mundo é justo e tem um senso de sarcasmos admirável.

* Texto publicado originalmente na coluna "O Observador", do Jornal Capital, em uma das edições do mês de julho de 2010.

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